Quando sairemos do lugar?

P.
3 min readJun 15, 2018

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Um conto de fadas, uma mocinha indefesa, uma vilã, um salvador; um filme adolescente, um grupo de mocinhas famosas opressor, um grupo de mocinhas desajustadas; uma novela com um sujeito infiel, uma desalmada sem sororidade idealizada, uma sofredora choramingando pelos cantos.
Até onde essa disposição de arquétipos é reproduzida por quem supostamente se desconstruiu?

Me alinhei alguns anos com o marxismo, tinha meus ídolos, me decepcionei quando nos aproximamos, desprezei os ídolos, vi que apresentavam manias insuportáveis e comportamentos reprováveis pontuais, enxerguei humanos que conviviam comigo cotidianamente e almejavam muitas vezes uma solução que me prejudicava, que ideologicamente éramos incompatíveis, mas até certo ponto havia convergência de ideias, em alguns pontos uma aliança era possível por pautarmos problemáticas comuns. Eu não faço mais parte desse movimento, apareço pontualmente para apoio por ser anti-capitalista, há divergência sobre estratégia e prioridades.
Eu perdi os ídolos, negociei suporte.
Se acredito em rasteiras pós objetivo alcançado? Não há a menor dúvida, todavia, nem há plano nem saímos do lugar.

Vamos ao Feminismo com seus bordões, lemas, moral e certa superioridade (até pena) diante da mulher leiga. Algo aqui me cheira como a tal vanguarda guiando as massas. Seriam as outras mulheres - aquelas sem refeições gourmet, viagens internacionais, kindle, círculo de amigas oriundas de universidades católicas e públicas, grupinho de adoração e escracho virtual — a massa a ser guiada por uma minoria que se proclama arauto delas? É difícil qualquer movimento político não ser elitista, posto que quem o organiza habitualmente obteve facilidades durante a vida para estudar profunda ou superficialmente um problema e dispôs de tempo livre, também é difícil haver identificação com uma causa se você não compõe o grupo que propõe.
O Feminismo não nasceu na rede social, postagens raramente alcançam fora de uma mesma determinada bolha, há censura, há deturpação, o movimento ganha adeptas pouco versadas nas teorias que afirmam defender, pouco dispostas a um trabalho de base com oferta de tempo, explicações simples, intervenções reais em problemas de mulheres (essa sempre aparece como “não deixem se aproveitar por você ser do movimento, preserve sua saúde mental’), escuta para entender outros contextos, elaboração de propostas.

A quarta onda talvez se prove um fiasco pior que a terceira, será difícil salvar qualquer ameaça real à estrutura estabelecida se falharmos, se a prioridade for auto-preservação, literatura de auto-ajuda, frases de efeito, sentimentalismo barato, essencialização com curandeirismo tosco e clubismo.
Muitas vezes nossas lutas são ao lado de pessoas que não gostamos, temos até certa aversão, c’est la vie, é questão de estratégia.
Homens agem como uma corporação onde se releva, se leva na esportiva, se botam pedras, se passa por cima do que fragilize o grupo.
Mulheres adultas que propagam a cultura do exilamento, escracho, orbiting e exigência de tratamento infantilizado quando se desapontam e nasce um desafeto, precisam de terapia para se resolver consigo, ter onde escoar essa frustração oriunda de outras fontes, procurar algum lazer, menos internet, mais maturidade.
Casos onde nenhum mecanismo opressor é aplicado não são problema político, isso é subversão de lema para benefício próprio e problema de ninguém além dos envolvidos, é patético, pura rivalização e revanchismo típicos de modelo heteropatriarcal capitalista onde se consome, depois se reclama como quem adquiriu propriedade.
Muito do Feminismo é sobre dizer “não” e sobre saber ouvir “não”, sobre no que devemos insistir, o que merece tempo e energia e o que não merece absolutamente nada.

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P.
P.

Written by P.

Lesbofeminista, liberal-socialista, autista, licenciada em Filosofia e Matemática.

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